Nos últimos três meses, o ritual vem se repetindo em algumas noites especiais no pequeno palco do Vitello’s, um misto de restaurante italiano e clube musical localizado em Studyo City, na Califórnia. Sentado ao piano, um velhinho por quem ninguém daria nada à primeira vista emenda interpretações comoventes de hits familiares para gerações de pessoas ao redor do mundo, sob aplausos do público seleto que lota o lugar. O senhor que esbanja vitalidade aos 86 anos é Neil Sedaka, americano do Brooklyn que tem uma das histórias de superação mais singulares — e dramáticas — da música pop.
As apresentações no Vitello’s não deixam de representar mais uma superação, aliás, na vida de Sedaka — que na última década andou sumido do showbiz, levando sua vida tranquila em família ao lado da esposa Leba, de 63. Mas essa segunda ressurreição é um esforço light se comparado ao que o cantor e compositor amargou no passado.
Do topo ao fundo do poço
Com formação musical clássica pela renomada Juilliard School, de Nova York, ele era um jovem que caminhava para se especializar na execução de sonatas de Beethoven ao piano e outros mestres clássicos. No ano de 1954, contudo, ouviu uma canção de um grupo da época chamado Penguins — e o contato com o pop inocente dos anos 1950 teve o efeito de uma epifania em sua vida. Então aos 14 anos, Sedaka iniciou uma carreira triunfal (e pioneira) de ídolo adolescente. Do final daquela década até o começo dos 1960, enfileirou hit atrás de hit, do Oh Carol a The Diary (que mais tarde entraria na trilha da novela da Globo Esplendor, de 2000). Mas daí uma grande transformação nos corações e mentes fez seu sucesso desabar da noite para o dia.
A maldição que fez Sedaka subitamente ser visto como um cantor cafona e fora de moda tinha nome estridente: rock’n’roll. Com a explosão dos Beatles e dos Rolling Stones, seguida da revolução comportamental da juventude nos anos 1960, suas canções perderam a conexão com o espírito do tempo — e ele amargou um triste ostracismo. Poucos artistas sobrevivem ao baque de uma queda tão violenta: em entrevista recém-publicada no The New York Times, Sedaka contou ao jornal americano que a certa altura dessa fase de fundo do poço ele viveu até mesmo uma profunda crise de identidade. Continuou fazendo shows pouco prestigiados, mas já nem era festejado nas ruas como antes.
Como Neil Sedaka deu a volta por cima?
A volta por cima foi lenta e cheia de percalços. Com a carreira totalmente esvaziada nos Estados Unidos, Sedaka se mudou para a Inglaterra e lá, aos poucos, reencontrou a inspiração e retomou os shows em pequenos pubs. Um empurrão do destino mudou sua sorte: no início dos anos 1970, nos bastidores de um show dos Bee Gees, ele conheceu o jovem e já estelar Elton John. Foi uma conexão imediata. “Ele me disse que era um grande fã, que ele tinha todos os meus discos antigos”, contou Sedaka ao New York Times. Elton prometeu visitá-lo, e um dia apareceu mesmo em seu apartamento, com as roupas espalhafatosas de praxe, propondo-se a apadrinhar o lançamento de um disco para marcar a volta do ídolo. Com o álbum Sedaka’s Back, de 1974, ele enfim fez as pazes com o sucesso. Uma de suas faixas, Laughter in the Rain, colocou Sedaka de novo no topo das paradas. O que veio depois foram turnês e lançamentos bem-sucedidos de um músico que se reinventou como crooner romântico.
O tempo e a chegada da idade aos poucos o afastaram da fama novamente. Seus shows atuais no Vitello’s, já octogenário, são mais uma prova de uma prova de resiliência do astro injustiçado da música pop. Neil Sedaka prova que nunca é tarde para dar uma nova volta por cima.
Acompanhe notícias e dicas culturais nos blogs a seguir:
Tela Plana para novidades da TV e do streaming
O Som e a Fúria sobre artistas e lançamentos musicais
Em Cartaz traz dicas de filmes no cinema e no streaming
Livros para notícias sobre literatura e mercado editorial