Queimadas deixam ar de Campos com alto índice de mercúrio

Fotos: Fabio Rodrigues Pozzebom (Agência Brasil)/Divulgação

O Brasil registra a seca mais intensa da sua história recente, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ao mesmo tempo, os números de incêndio florestais são cada vez mais alarmantes. Por conta do alto índice de queimadas, Campos apareceu em estudo da PUC-Rio como o município com maior quantidade de mercúrio no ar em todo o Estado do Rio de Janeiro. O que potencializa os riscos de doenças respiratórias na população.

Apenas entre os dias 13 e 17 de setembro, Campos registrou 16 eventos de fogo em vegetação, de acordo com o Corpo de Bombeiros. A maior cidade do interior do RJ acompanhou um movimento que levantou suspeita de ação coordenada em todo o Estado. No mesmo período, os Bombeiros contabilizaram 1.404 incêndios florestais no Rio de Janeiro. O cenário motivou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) a criar uma força-tarefa, visando combater e investigar o motivo de tantas queimadas em tão curto espaço de tempo. A decisão foi tomada no último dia 17.

Fogo|Entre os dias 13 e 17 de setembro, Campos registrou 16 incêndios em vegetação

Na mesma data, o J3News noticiou que três focos ativos de incêndios em área de vegetação foram combatidos pelos brigadistas do 5º Grupamento de Bombeiro Militar. No último fim de semana, um episódio chamou atenção na cidade. Uma moradora do Parque Cidade Jardim publicou nas redes sociais um vídeo em que um incêndio em uma área de vegetação toma grandes proporções, na rua Alice Maciel de Miranda, na extensão da Avenida Presidente Kennedy, ao final da Av. 28 de Março. “Vai queimar tudo. A minha casa sumiu. Um absurdo. Os Bombeiros chegaram, mas já pegou fogo em tudo”, relatou a representante comercial Laira Alves, ao fazer os registros na tarde de domingo, dia 22 de setembro.

Durante a semana, Laira conversou com a reportagem e contou sobre a situação: “Foi muito assustador. A gente teve que sair de casa correndo, a família toda. O fogo se alastrou muito rápido. Coisa de 10 minutos para tomar conta de três quarteirões. A gente entrou em desespero. As chamas estavam na altura do poste. Ficou muito quente e a gente não conseguiu ficar em casa por conta da fumaça. O desespero ficou maior quando a fumaça tapou a minha rua e a minha casa é cercada por vegetação. A impressão que a gente tinha era de que a casa tinha pegado fogo junto. Foi um desespero, as crianças na rua chorando, os moradores em pânico. Foi a hora mais tensa da nossa vida. E ter os relatos de que foi um incêndio criminoso, é o que dói mais ainda. Estamos até hoje com fuligem na casa, com cheiro de fumaça ainda forte, dificuldade para respirar, fazendo lavagem no nariz toda hora”, comentou.

Geógrafo|Eduardo Bulhões (Foto: Arquivo Pessoal)

Antes mesmo da iniciativa da força-tarefa do Ibama, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro já havia criado um Gabinete de Gestão de Crise, no dia 12 de setembro. O assunto foi tema de debate no programa Manhã J3, na J3News TV. Convidado da atração, o geógrafo Eduardo Bulhões conversou com a reportagem sobre o crescente número de queimadas recentemente: “No Norte Fluminense, área onde predominam-se pastagens, tal fenômeno também pode ser perigoso, uma vez que a estação seca se prolonga desde maio até meados de setembro e as temperaturas foram anormalmente mais altas, e isso é uma tendência ao longo dos anos. O fenômeno é perigoso pois os recursos para combater o fogo são escassos. A crise climática derivada do aumento das temperaturas no planeta é global, mas os impactos são locais e os municípios precisam de planos de adaptação para o cenário climático atual e futuro”, comentou.

Concentração de mercúrio no ar
Também em meados deste mês, uma pesquisa conduzida pelo Laboratório de Química Atmosférica, do Departamento de Química do Centro Técnico Científico da PUC-Rio, financiada pela FAPERJ, destacou Campos como cidade do Estado do RJ com maior concentração média de mercúrio no ar, indicando as queimadas como principal causa. 

No estudo, publicado recentemente na revista científica Royal Society of Chemistry, Campos aparece como região de cultivo de cana-de-açúcar, que tem as queimadas como prática recorrente. O responsável pelo trabalho foi o doutorando do CTC/PUC-Rio, Luis Fernando Mendonça da Silva.

Os resultados revelaram que 63% das amostras apresentavam concentrações diárias de PM2.5 (partícula cerca de 30 vezes menor que a espessura de um fio de cabelo humano) superiores aos padrões estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, podendo causar potenciais problemas à saúde e bem-estar, especialmente no trato respiratório.

Leia a pesquisa completa (clique aqui).

Seca mais intensa na história recente do país
O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) divulgou um gráfico neste mês de setembro, mostrando que o período de estiagem que o Brasil enfrenta desde 2023 simboliza a seca mais intensa da história recente do país. Campos, por exemplo, chegou a 53 dias sem chuva na última sexta-feira (27), segundo o Cemaden.

Climatologista|Carlos Augusto Alencar

“Desde abril há uma área de alta pressão praticamente estacionada sobre o país. Essa área de alta pressão impede a formação de nuvens de chuva. Além disso, como a massa de ar formada por essa área de alta pressão atmosférica não é substituída, a temperatura tende a aumentar com mais facilidade. Então tivemos, e ainda teremos, ondas de calor. A média da umidade relativa do ar também foi baixa. Além disso, o período seco começou mais cedo e terminará mais tarde. Sendo otimista, a partir da segunda metade de outubro. Isso falando da estiagem. Já o número de dias de calor acima da média só vai aumentar”, explica o geógrafo climatologista Carlos Augusto Alencar.

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) afirmou ao J3News que acompanha o monitoramento das secas no Estado do Rio de Janeiro, através da validação dos mapas mensais elaborados no âmbito do programa Monitor de Secas, coordenado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico.

Em setembro, foi elaborado o mapa referente ao mês de agosto de 2024, com o Estado com a região Norte Fluminense registrando permanência da seca moderada, em decorrência das chuvas abaixo da normalidade e da piora dos indicadores. Em Campos, a situação já reflete de forma negativa na produção rural. 

Há um mês, o presidente do Sindicato Rural do município, Ronaldo Bartholomeu, já havia chamado atenção no sentido de que a seca vinha impondo prejuízos na colheita e se firmando como ameaça para a próxima safra. Agora, o cenário é ainda mais preocupante: “O comprometimento só está se atenuando. Tem lugares em que foram colhidas as canas e não houve rebote das mesmas, comprometendo a safra do ano que vem. Lavouras que foram plantadas em março, ou morreram, ou não cresceram. O gado de leite está com uma quebra enorme na produção e as fêmeas tanto de leite quanto de corte têm a reprodução comprometida, acarretando um prejuízo enorme no nascimento de bezerros. Com isso, as consequências são a diminuição na produção de leite e a falta de animais para reposição na engorda. O quadro não é bom. Muitos prejuízos nas atividades agropecuárias, o que se torna sinônimo de preços mais altos dos alimentos”, pontua.

Presidente da Associação Fluminense dos Plantadores de Cana (Asflucan), Tito Inojosa também destaca um cenário negativo para a região: “O que já sabemos é que a próxima safra terá uma quebra. Só não sabemos o quanto, mas a expectativa é de que seja grande. Estamos na dependência da chegada das chuvas, que não tem sequer previsão nem para o mês de outubro. A Prefeitura e o Cidennf vem nos ajudando, sendo parceiros importantes. A limpeza de canais vem sendo feita constantemente e ajudando muito nossos produtores. As estradas também têm apresentado melhoras. Mas, precisamos de fato de uma trégua da seca para o bem da nossa produção local”, disse Tito.

Trabalho|Ibama criou força-tarefa para combater focos de incêndio

Operação Curupira
Em 20 de setembro, a Secretaria de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro divulgou informações sobre a Operação Curupira, que permanece em andamento,  em parceria com a Secretaria Estadual do Ambiente (Seas) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). A iniciativa já identificou 34 autores de incêndios criminosos no Rio de Janeiro e indiciou nove deles. Cinco pessoas foram presas.

Seca e queimadas impõem riscos à saúde
Com o país enfrentando a seca mais intensa da sua história recente, o alto índice de queimadas se soma como fator de risco para o aumento de doenças respiratórias na população. De acordo com o MapBiomas, o número de incêndios florestais costuma aumentar consideravelmente em período de estiagem e os meses entre julho e outubro concentram 79% das queimadas no Brasil. 

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